Obrigada pela visita

Obrigada pela visita

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Cidades Mortas e Retratos do Brasil

Retratos do Brasil 

 O pré-Modernismo

 A produção literária brasileira do início do século XX foi marcada pela coexistência de manifestações que davam continuidade à arte do século anterior. Não existia uma orientação estética inovadora e unificadora, mas sim a permanência de traços realistas, naturalistas, parnasianos e simbolistas, que se mesclavam e se aplicavam a novos contextos. Havia, porém, uma importante novidade: os autores pré-modernistas iniciavam
a revisão do nacionalismo, trocando o ufanismo pelo questionamento e pela crítica da organização social do país. Essa crítica atingia setores específicos como o Exército, a administração das cidades e as políticas agrícolas, mas às vezes alcançou maior abrangência e chegou até mesmo a propor um novo projeto de país.

O Pré -Modernismo

Os conflitos políticos que originaram, em 1914, a Primeira Guerra Mundial marcaram o início do século XX na Europa. As grandes transformações científicas e tecnológicas do período resultaram em novos posicionamentos do homem diante do mundo, inclusive no campo artístico. Abordagens inéditas foram experimentadas pelas vanguardas, movimentos estéticos que expressavam o dinamismo dos novos tempos e renovavam a arte europeia. Tal cenário, porém, não contagiou a realidade brasileira nesse período. Nossos artistas preferiram aprofundar o olhar para as questões nacionais, passando ao largo das inovações formais que começavam a ser praticadas na Europa.

A seguir estão reproduzidas uma tela do pintor brasileiro Almeida Júnior (1850-1899) e parte do conto "Cidades mortas", do livro de mesmo título publicado por Monteiro Lobato (1882-1948) em 1919. Os dois artistas retratam o interior de São Paulo.

Caipira picando fumo







Almeida Jr.


Cidades Mortas

Pelas ruas ermas, onde o transeunte é raro, não matracoleja sequer uma carroça; de há muito, em matéria de rodas, se voltou aos rodízios desse rechinante símbolo do viver colonial – o carro de boi. Erguem-se por ali soberbos casarões apalaçados, de dois e três andares, sólidos como fortalezas, tudo pedra, cal e cabiúna; casarões que lembram ossaturas de megatérios donde as carnes, o sangue, a vida, para sempre refugiram.
[...]
São os palácios mortos da cidade morta.
Avultam em número, nas ruas centrais, casas sem janelas, só portas, três e quatro: antigos armazéns hoje fechados, porque o comércio desertou também. Em certa praça vazia, vestígios vagos de “monumento” de
vulto: o antigo teatro – um teatro onde já ressoou a voz da Rosina Stolze, da Candiani...
Não há na cidade exangue nem pedreiros, nem carapinas; fizeram-se estes remendões; aqueles, meros demolidores – tanto vai da última construção. A tarefa se lhes resume em especar muros que deitam ventres, escorar paredes rachadas e remendá-las mal e mal. Um dia metem abaixo as telhas: sempre vale trinta mil réis o milheiro – e fica à inclemência do tempo o encargo de aluir o resto.
Os ricos são dois ou três forretas, coronéis da Briosa, com cem apólices a render no Rio; e os sinecuristas acarrapatados ao orçamento: juiz, coletor, delegado. O resto é a mob: velhos mestiços de miserável descendência, roídos de opilação e álcool; famílias decaídas, a viverem misteriosamente umas, outras à custa do parco auxílio enviado de fora por um filho mais audacioso que migrou. “Boa gente”, que vive de aparas.
Da geração nova, os rapazes debandam cedo, quase meninos ainda; só ficam as moças – sempre fincadas de cotovelos à janela, negaceando um marido que é um mito em terra assim, donde os casadouros fogem. Pescam, às vezes, as mais jeitosas, o seu promotorzinho, o seu delegadozinho de carreira – e o caso vira prodigioso acontecimento histórico, criador de lendas.
Toda a ligação com o mundo se resume no cordão umbilical do correio – magro estafeta bifurcado em pontiagudas éguas pisadas, em eterno ir e vir com duas malas postais à garupa, murchas como figos secos.

Monteiro Lobato, J. R. Cidades mortas. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 22-23.
http://prohelenasam.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário